
Sandra Gomes (Nutricionista):: 2008.12.29
adaptado de PERES, Emílio – Bem Comidos e Bem Bebidos. Caminho. Biblioteca da Saúde. Lisboa, 1997. pp. 131-136.
1. Da maneira como educais vossos filhos desde os mais tenros anos dependerá o futuro deles. Capacidades, aptidões e comportamentos modelam-se através de estímulos afectivos, ritmos respeitados, procedimentos exemplares, linguagem adulta, explicações consistentes e abertura de pistas de reflexão.
Pais, conviventes próximos, meio cultural envolvente e escola devem dar as mãos para levar a criança a conhecer o mundo, questioná-lo e nele intervir.
2. Dirijo-me aos pais para lhes transmitir algumas das propostas universalmente aceites quanto à alimentação sadia dos mais novos.
Comportamentos e práticas alimentares integram-se no comportamento perante o mundo. Merecem boa atenção porque determinam a construção do corpo durante a gestação, infância e adolescência, a criação de resistências, a promoção e a manutenção da saúde mental e física.
Desejamos que a criança nasça escorreita, se desenvolva física, psíquica e emocionalmente ao máximo das potencialidades herdadas, e crie saúde para toda a vida, que desejamos longa e plena de bem-estar.
Desejamos que a criança aprecie e respeite alimentos e comidas, não delapide nem esbanje, e saiba que interferirá na natureza, para bem e para mal, conforme alimentos e bebidas preferidos, quantidades usadas e modos de cozinhar.
3. Que a vossos filhos não falte o leite de sua mãe porque nenhum outro o supera. Alimenta a preceito e confere imunidade, gera corpo e bem-estar.
A qualidade do leite materno varia para se adaptar às sucessivas necessidades do novo ser, desde a aguadilha da primeira semana, passando pelo fluido denso e branco dos primeiros meses e voltando a aguar quando a criança começa a contactar com outros alimentos.
Que as mulheres se decidam desde cedo, se possível desde novitas, a darem o seio, porque assim, com a tranquilidade das decisões amadurecidas, o leite abundará, será mais nutritivo e fluirá por mais tempo, o que satisfaz o interesse renovado de não interromper cedo e, muito menos, bruscamente a amamentação, mas, bem ao contrário, alongá-la por seis ou mais meses, em conjunto com outros alimentos.
Que lutemos todos para obter, pelo menos, quatro meses de dispensa de trabalho para as nutrizes, sem prejuízos de direitos, para que elas possam, dar o seio a seus filhos.
4. Que, desde a introdução da alimentação mista, confrontem vossos filhos com muitos alimentos diversos. Desde a inaugural sopa de vegetais até à ida para a escola, mas sobretudo até ao terceiro ano de vida, que a criança experimente, pouco a pouco e um a um, de tudo o que há para comer. Evitareis choros, cuspidelas e desesperantes «não quero» tão frequente quando, antes de completados os 2 anos, o comer foi sempre igual, de monótono paladar, sempre de consistência pastosa.
Da diversidade do que se come decorre a riqueza da nutrição. Não leveis vossos filhos a dizer «não gosto». Desconfiai de infantários e jardins de infância com ementas semanais sempre repetidas nos mesmos dias.
5. Sede atentos para que os vossos filhos apreciem todas as frutas, para que gostem das mais variadas hortaliças no prato e na sopa, para que desejem diferentes pães, massa, arroz, farinha de pau, batata, para que reclamem feijão, ervilha, grão, fava, tremoço, para que gozem a pura água, para que peçam os mais variados peixes, pequenos e grandes, para que aceitem ovos, aves e outras carnes.
Variai de cozinhados e multiplicai os alimentos escolhidos para que paladares, odores, texturas e coloridos se sucedam e cambiem. Abandonai cedo papas e comida moída, a saber sempre ao mesmo e a desincentivar de mastigar. Propiciai oportunidades para que vossas crianças deêm ao dente, ensalivem, roam.
Afastai-as do pronto-a-comer, do lixo alimentar, dos comeres de piquenique, das «coisas» que enfardam e prevertem apetites. Introduzi as crianças nos prazeres da autêntica comida genuína.
6. Não rejeites à criança a água que ela solicita porque a sua sede não se satisfaz com pouco; se vos espantais com o que digo, atentai que também vós deveis beber com mais generosidade.
Retende que a sede se mata com água. Refrigerantes são bebidas de excepção e não lhes cabe o nobre papel de dessedentar. E bebidas alcoólicas, como sabeis, não são para crianças.
7. Não crieis hábitos maus a vossos filhos; se tendes comportamentos incompatíveis com alimentação sadia, abandonai-os cedo, logo que penseis ter um filho, porque vós sois exemplos vivos copiados por toda a vida.
Preteri falsas comidas e falsas bebidas. Recordai que batata frita, folhados, fritos, molhos, cremes para barrar, salsicharia, pronto a comer e pastelaria industrial é tudo demasiado gordo e abundante de moléculas gordas adulteradas. E que guloseimas, biscoitaria, pastelaria e refrigerantes são demasiado açucarados.
E que a combinação de tais produtos, pela gordura exagerada, pela maior abundância de açúcar do que de amido, e pela pobreza de substâncias reguladoras, activadoras e protectoras, é procedimento nefasto porque induz, com o decurso dos anos, as temíveis doenças metabólicas e degenerativas crónicas que tanto afligem os adultos destes tempos. Doenças tanto mais graves e precoces, quanto mais cedo na vida se adoptam nefastos procederes alimentares.
Sabei que da combinação de muita gordura e muita doçura advêm preversões do comportamento alimentar, com vontades irrepremíveis para passar o dia a comer.
Não compreis facilidades e acomodações silenciosas, facultando a vossos filhos aquilo que é seguro agradar-lhes ou que a vós é mais fácil.
8. Sede atentos com vossa culinária para que seja saborosa, agradável, simples, com pouco ou nenhum sal, e variada.
Não habitueis vossos filhos a refogados, fritos, folhados e assados em gordura. Em dias comuns, despertai-lhes apreço por saborosos pratos confeccionados, desde início, em água ou caldas, como o são cozidos, caldeiradas, jardineiras, escalfados, ensopados, açordas, arrozes. Honrai as sopas de hortaliça.
Moderai a utilização de gorduras e respeitai a sua integridade. Para isso, preferi usá-las cruas, a temperar pratos; mas, quando as levardes ao lume, que água ou caldos as acompanhem, desde início, para que não frijam. E recordai que, entre todas as gorduras, o azeite é sagrado.
9. Fugi de produtos manufacturados cujos rótulos refiram aditivos ou gordura vegetal hidrogenada; e rejeitai todos os que não vos merecem confiança quando a limpeza e higiene, integridade e bom estado da embalagem, prazo de validade, frescura ou congelação perfeitas. Aumentarão, assim, as probabilidades de vossos filhos crescerem sem diarreias, enjoos, cólicas, indigestões, intoxicações alimentares e alergias.
10. Sede atentos às horas de comer. Que o primeiro almoço nunca falhe e se vosso filho acorda sem apetite, procurai as razões, porque esta primeira refeição importa muito para o desenvolvimento, para criar resistências e para a escola render.
Preparai com amor a merenda que ele comerá no meio da manhã e sede atentos ao que almoça, merenda à tarde, e janta, e não o deixeis comer fora de horas e a toda a hora.
Criai bom ambiente às refeições; com os pés debaixo de mesa, conversai, distendei-vos, mastigai bem e ensalivai; fugi de TV aos berros, reprimendas, discussões ou mudas ausências. Que a hora solene de comer avive o convívio familiar e de amigos.
11. Retende o que aqui vos digo porque saúde e felicidade nunca sobram.
Mas atentai à bolsa, também; não desperdiceis. Não vos encanteis com o que se vende caro em belas roupagens porque não há bons alimentos nem produtos virtuosos de fantásticas propriedades. Há, isso sim, boas alimentações que são as que reúnem equilibradamente alimentos naturais nas devidas proporções, que se ajustam em quantidade às necessidades de cada idade e à maneira de ser de cada um, e que são higienicamente limpas, bem confeccionadas e servidas a horas em refeições bem estruturadas.
12. Nenhuma comida é boa para uma criança que desrespeita as necessidades do seu corpo. Afastai-a do sofá entorpecedor e da televisão paralisante. Que salte, pule, corra, jogue è bola, nade, em suma, que se mexa. E, sempre que seja seguro, vá para a escola e regresse a casa por seus pés.
A criança é espelho de seus pais e da sua época. Reencontrai a cultura da mesa e trabalhai o corpo.