Com esta reflexão, a Associação In Familia dá continuidade a uma série de publicações, na defesa da cultura da vida, com a colaboração dos seus amigos e associados, numa altura em que algumas forças políticas insistem na tentativa de legalizar a morte a pedido.
A palavra “eutanásia” teve, ao longo dos tempos, vários significados. Etimologicamente, significa apenas “boa morte”. No entanto, adquiriu outro sentido, bastante mais específico: proporcionar a morte sem dor, às pessoas que sofrem. Este sentido, porém, é muito ambíguo, visto que, a eutanásia, assim entendida, pode significar realidades não só muito diferentes, como também opostas entre si, como seria, por exemplo, dar a morte a um recém nascido deficiente, que se presumisse que iria ter uma vida com muitas limitações. De igual modo, seria prestar ajuda a um suicida para que consumasse o seu propósito, ou a eliminação de um idoso, sobre o qual se pressupõe que não vive já uma vida digna.
De forma mais clara, entende-se hoje a eutanásia como o chamado homicídio por compaixão, isto é, causar a morte de outrém por piedade, em presença do seu sofrimento, ou atendendo ao seu desejo de morrer, por várias razões.
Sem dúvida, é de grande importância o significado das palavras nesta matéria, porque a prática da eutanásia, pode aparecer como um crime para uns, ou como um ato de misericórdia ou uma “morte digna” para outros.
O debate sobre a eutanásia deixaria de existir, se todos falássemos a mesma linguagem e outorgássemos ao termo, idêntico significado. Além disso, o debate também seria mais claro, se todos entendessem o que está em jogo: causar a morte de alguém, com o seu consentimento ou não, a fim de lhe evitar sofrimentos de vária ordem, que fossem considerados insuportáveis.
Considerada a eutanásia desta forma, existem pessoas e grupos partidários de a legalizar, atribuindo-lhe uma certa respeitabilidade social, porque interpretam que a vida humana não deve ser vivida, se não estiverem reunidas as condições de plenitude. Outros, pelo contrário, consideram que a vida humana é um bem superior e um direito inalienável, que não pode estar à mercê da decisão de outros nem do próprio.
Entendemos a eutanásia como a atuação cujo objeto é causar a morte a um ser humano para lhe evitar sofrimentos, a pedido do próprio, por este considerar que a sua vida carece da qualidade mínima para merecer o qualificativo de “digna”. Assim considerada, a eutanásia é sempre uma forma de homicídio, visto implicar que um ser humano cause a morte a outro, mediante a omissão de atenção e cuidado.
E porque defendemos esta posição? Porque nela se reúnem os elementos essenciais que configuram um fenómeno complexo, como é a eutanásia:
– A morte aparece como aquilo que se procura e está presente na intenção de quem pratica a eutanásia.
– Pode produzir-se por ação (administrar substâncias tóxicas mortais) ou por omissão (negar a assistência médica devida). O que se procura é a morte da pessoa supostamente requerente.
Convém esclarecer que o sentimento subjetivo de se estar a eliminar a dor ou as deficiências alheias, constitui um elemento necessário na eutanásia porque, em caso contrário, estaríamos em presença de outras formas de homicídio.
Outro aspeto não menos pertinente, é o que se refere às diversas formas de eutanásia, dependentes também do significado que se aplique ao termo.
Do ponto de vista da vítima, a eutanásia pode ser voluntária ou involuntária, de acordo com o facto de ser solicitada por quem deseja a morte ou não: perinatal, agónica, psíquica ou social, quando aplicada a recém nascidos ou deficientes, a doentes terminais, a afetados por lesões cerebrais irreversíveis, ou a idosos ou outras pessoas consideradas socialmente improdutivas, etc. Alguns falam de auto eutanásia, referindo-se ao suicídio, mas tal não constitui propiamente uma forma de eutanásia, ainda que muitos dos seus patrocinadores defendam o direito ao suicídio.
Do ponto de vista de quem a pratica, distingue-se entre eutanásia ativa ou passiva, conforme se provoque a morte a outrem por ação ou por omissão, ou entre eutanásia direta ou indireta; a primeira seria a que procura objetivamente a morte e a segunda a que procura mitigar a dor, mesmo sabendo que tal tratamento pode encurtar efetivamente a vida do paciente. No entanto, esta última não pode chamar-se propriamente eutanásia.
Pode acontecer que se questione se a dor e a morte fazem parte da vida ou se serão apenas obstáculos a uma vida plena.
De facto, a dor e a morte fazem parte da vida humana, desde que nascemos no meio das dores do parto da nossa mãe, até que morremos, causando dor aos que nos amam. Ao longo da nossa existência, a dor física ou moral, está presente em todas as biografias humanas, já que ninguém é alheio à dor; confirma-o a experiência pessoal de cada um e a literatura universal, em que a experiência da dor é, não só motivo de inspiração, como também de constante reflexão.
Por sua vez, a morte, é o destino inevitável de todos, uma etapa na vida dos seres vivos que, queiramos ou não, constitui o horizonte natural do processo vital. A morte é o fim previsto da vida, ainda que incerta quanto ao momento e às circunstâncias em que surge; portanto, faz parte de nós porque nos afeta diretamente, bem como aos que nos rodeiam, porque o facto de termos de morrer, pode determinar a forma como vivemos.
A dor e a morte não são obstáculos à nossa vida, são dimensões ou fases que atravessamos. Obstáculo à vida é a atitude de quem se nega a admitir a naturalidade destes factos constitutivos da vida sobre a terra, tentando fugir deles como se fossem totalmente evitáveis, até ao ponto de converter tal fuga no valor supremo: a negação da própria realidade, que pode chegar tornar-se causa de desumanização e de frustração vital.
Mais: a dor e o sofrimento, como qualquer outra dimensão natural da vida humana, também tem um valor positivo, quando nos ajuda a compreender a nossa natureza e as suas limitações e quando sabemos integrá-los no nosso processo de amadurecimento. Faz parte da experiência universal, que a dor não se pode evitar totalmente e que pode ser fonte de humanização pessoal e de solidariedade social. A experiência da humanidade é que a dor, se a admitimos como uma dimensão contra a qual podemos lutar, mas é inevitável, é uma escola que pode contribuir para que existam vidas mais plenas.