Por uma Cultura da Vida – 21 | Poverello: Anjos que permanecem no meu Coração.

Maria Couto, familiar de um doente que acolhemos nos Cuidados Paliativos, deixa-nos um pouco do que connosco vivenciou…

“ A 23 de março de 2019 percebi que a nossa vida ia mudar de forma irreversível. Três dias depois, os resultados dos exames confirmavam os meus piores pesadelos. Um tumor cerebral maligno, três a quatro meses de vida.

O mundo desabou ali, no espaço daquela clínica onde foram realizados os exames.

Não te apercebeste nunca da tua realidade… sou muito grata a Deus por isso.

Tive que me recompor, tomei a decisão de almoçar contigo num belo restaurante junto à Praia para podermos manter alguma esperança que o azul da linha do horizonte, como por magia, oferece.

Apreciaste particularmente o momento e isso deixou-me muito feliz.

Chegamos a casa, as angústias cresciam a cada momento. Tive que dar a notícia ao nosso filho e depois à restante família.

Uma dor inexprimível… 

Dias depois estavas a ser internado no Hospital Santos Silva. Sou muito grata a toda a equipa do Serviço de Neurologia desta unidade hospitalar, pelos cuidados recheados de carinho com que te trataram.

Um mês e meio depois do teu internamento, a Assistente Social do hospital informou-me que terias que ser encaminhado para uma Unidade de Cuidados Paliativos.

Falou em três possibilidades, sugeriu uma em particular porque achou que seria a que mais me agradaria. Sabia da minha preocupação com o teu bem-estar e conforto… O POVERELLO em Braga. Sugeriu-me que fosse visitar para conhecer as condições e o que tinham para te oferecer.

Decidi fazê-lo sozinha, queria chorar sempre que me apetecesse sem estar preocupada em entristecer ainda mais quem me acompanhasse.

Ia a conduzir e a imaginar todos os cenários… O que pensar de um local onde as pessoas vão viver os últimos dias?

A surpresa à chegada aliviou muitas das minhas angústias.

Olhei à volta, vi um local que em nada se parecia com o que tinha imaginado. Afinal era quase um hotel.

Fui recebida com um carinho e disponibilidade que jamais esquecerei.

Mostraram aquele que passaria a ser o nosso quarto. Amplo, agradável e muito confortável.

Foi-me disponibilizada toda a informação que necessitava, todas as minhas dúvidas bem esclarecidas.

Quando saí daquele espaço estava já decidida, não ia visitar as outras opções.

As minhas angústias estavam mais adormecidas e curiosamente sentia alguma “felicidade” porque tinha a certeza que teríamos, naquela instituição, resposta para as tuas necessidades.

O dia chegou, fomos recebidos na UNIDADE DE CUIDADOS PALIATIVOS O POVERELLO.

Foi um mês único nas nossas vidas, cheio de Amor, Ternura e muita Paz.

Apesar de todas as circunstâncias, um mês que marcou a minha vida de forma muito doce.

Esta é a prova que mesmo em situações extremas o conforto, o bem estar, a garantia do NÃO SOFRIMENTO, são os objetivos primeiros de todos os PROFISSIONAIS que ali tratam dos seus doentes.

 A morte, quando destinada pelos desígnios da vida, não é sinónimo de sofrimento estendido ao longo do tempo.

O último dia do meu marido chegou, como o previsto, a 2 de junho de 2019.

Chegou de forma serena e delicada, nos meus braços…

Um momento muito difícil, mas igualmente doce (espero que me compreendam).

Tudo se cumpriu como eu tanto pedia nas noites que passei a seu lado.

Que partisse sem conhecer o rosto do sofrimento.

Sou tão grata pelos sorrisos que traziam no semblante, sempre que entravam no nosso quarto.

Sou tão grata pela alegria com que contagiavam aquele quarto.

Sou tão grata pelos dias em que o meu marido, encontrando-se mais ativo usava do seu sentido de humor e tratava as maravilhosas auxiliares por “filhota”.

Sou tão grata pela vossa preocupação com o seu bem-estar. 

 A Morte, quando consequência de doença terminal, não é mesmo sinónimo de sofrimento ou ausência de qualidade de vida.

Muito obrigada a TODOS

São Anjos que permanecem no meu Coração

Maria Couto

Por uma Cultura da Vida – 21 | Poverello: Anjos que permanecem no meu Coração.