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O Tribunal Constitucional pronunciou-se esta semana pela inconstitucionalidade da lei da eutanásia, na forma como foi aprovada pela Assembleia da República, pelo Decreto n.º 109/XIV de 12 de fevereiro de 2021. Considerou este Tribunal que a antecipação da morte medicamente assistida, viola a Constituição da República da República Portuguesa, o documento que fundamenta e rege os princípios basilares e a organização do Estado português e define o campo axiológico essencial do nosso povo.

Na sequência do pedido de fiscalização preventiva de constitucionalidade de diversas normas da “Lei da Eutanásia”, que lhe foi dirigido pelo Chefe de Estado, o Tribunal Constitucional, de forma complexa, decidiu o que, essencialmente, se resume no seguinte:

– O art. 2º/1 da lei, que prevê a opção do legislador de não punir a antecipação da morte medicamente assistida, e respetivas condições, deve ser considerado como um todo;

– O princípio da inviolabilidade da vida humana, consagrado no art. 24º/1, pode não ser um impedimento à despenalização da antecipação da morte medicamente assistida, num sistema que respeite os direitos fundamentais (como o direito à vida e à autonomia pessoal, de quem pede e de quem colabora), desde que, em condições claras, precisas, antecipáveis e controláveis;

– O conceito de “sofrimento intolerável”, cuja constitucionalidade tinha sido colocada em causa pelo Presidente da República, é determinável pelas regras da medicina, pelo que constitucional;

– O conceito de “lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico”, pela sua imprecisão, não permite delimitar as circunstâncias em que pode ser aplicado, pelo que,

– Como condição prevista no art. 2º/1, para despenalizar a eutanásia, viola o princípio constitucional da determinabilidade da lei, por referência à inviolabilidade da vida humana, consagrado no art. 24º.

Assim posto, a decisão do Tribunal, tomada por uma maioria de 7 em 13 juízes conselheiros, além de impor, desde já, algum travão a uma eventual legalização do “vale tudo” nesta matéria, faz com que a discussão seja transferida do espaço jurídico para o espaço político-legislativo atirando, assim, a sentença final para o campo político e civilizacional.

Dessa forma, depois do veto do Presidente da República e consequente devolução do Decreto à Assembleia da República, têm toda a propriedade duas intervenções políticas muito recentes:

– A de Paulo Rangel ao apelar à bancada social democrata para relançar a proposta de referendo à eutanásia, e

– A de Telmo Correia, ao questionar António Costa se não seria este o momento para deixar cair a lei da eutanásia à qual o (ainda) Primeiro Ministro respondeu, com todo o cinismo, que tinha de respeitar as decisões da bancada do Partido Socialista e escudou-se na “separação de poderes”.

Pergunta-se: chegados aqui, quem deve verdadeiramente decidir?

A discussão em torno da eutanásia tem cerca de cinco anos. Ao longo deste período, foram ganhando contornos cada vez mais evidentes, as posições contra este atentado à vida humana. Pensemos na grande pressão social que se gerou, nos pareceres desfavoráveis de todas as entidades ouvidas pelo Parlamento, nomeadamente aqueles emitidos pelos representantes dos médicos e enfermeiros e pela Comissão de Ética para as Ciências da Vida. Pensemos também nos 100 000   portugueses que viram ser-lhes negado o referendo peticionado e pensemos, ainda, que o Parlamento já tinha chumbado a proposta de lei da eutanásia, em maio de 2018. A coroar toda esta onda contra a morte assistida, neste março de 2021, o Tribunal Constitucional sancionou as pretensões dos que pretendiam decretar a morte a pedido.

Pergunta-se: Não deveriam estes dados ser considerados mais do que suficientes, para mandar a lei da eutanásia para o caixote do lixo, respeitando, assim, tantas propostas da sociedade civil? Ou então, já condescendendo, não deveriam, no mínimo, reconsiderar a realização do referendo? Como é que os proponentes da lei da eutanásia ainda se podem sentir legitimados para avançar nesta insensatez? Com que direito? E com que mandato político?

Infelizmente, já anunciaram que vão persistir no seu frenesim ideológico, num exercício de verdadeiro despotismo, sobrepondo ao parecer dos especialistas e à vontade popular, a sua própria vontade e fixação, arvorando-se com o direito de terem sido eleitos pelo povo. Sim, foram eleitos, mas ninguém os mandatou especificamente para este efeito, caso em que teriam de ter previsto esta matéria nos respetivos cadernos eleitorais!

Entretanto, na fase que agora se inicia, os vários partidos e deputados que votaram a favor da morte a pedido, já vieram dizer que irão trabalhar para clarificar os termos da lei e, assim, suprimir a inconstitucionalidade da mesma.

Até pode ser que tais deputados consigam definir melhor os termos da lei, contando com a sua aprovação futura; mesmo assim, há outras questões que podem ser invocadas para reclamar da sua consonância com a lei fundamental e, além disso, poderá também o Presidente da República não ter esgotado todos os seus trunfos, quanto à avaliação que lhe merece esta lei da morte assistida; poderia mesmo enviar a próxima versão que lhe for apresentada, à apreciação do Tribunal Constitucional, mas poucos acreditam que o faça. Mesmo que não envie, porém, salienta-se que é sempre possível um décimo dos deputados da Assembleia da República enviarem o texto para fiscalização sucessiva.

Enquanto defensores da Vida, é com serenidade que aguardamos os desenvolvimentos e cá estaremos, como sempre, para darmos as respostas que as circunstâncias requererem, incluindo a contestação nas ruas a uma das maiores iniquidades da nossa democracia, quanto ao conteúdo e quanto à forma.

Se uma lei da eutanásia viesse a ser aprovada, o efeito da chamada “rampa deslizante” far-se-ia sentir, sem margem para dúvidas como, aliás, se verifica noutros países e, além disso, uma certa falta de sensibilidade coletiva daria o aval a esse e outros experimentalismos ideológicos que os políticos radicais querem implementar.

Numa sociedade tão profusamente apelidada de democrática, jamais deveria ser necessário lutar pelo direito à vida…Mas cá estamos para o fazer, hoje e sempre!

Por uma Cultura da Vida – 24 | Eutanásia: Que presente… Que futuro?